Um
dia memorável em defesa da dignidade humana: a fundação do Sindicato das Trabalhadoras
e dos Trabalhadores do Comércio Informal de Recife-PE
Otávio
Luiz Machado*
“Vamos precisar de todo mundo,
para varrer do mundo a opressão,
para construir a vida nova,
vamos precisar de muito amor
(...)
Vamos precisar de todo mundo,
Um mais um é sempre mais que dois.
Para melhor juntas as nossas forças,
É só repartir melhor o pão” (Beto Guedes).
Ontem não foi um dia especial só porque
um 12-12-12 pôde ser comemorado, o que se repetirá somente após um
século, quando raramente um dos viventes de hoje vai poder estar presente para
comemorá-lo.
Foi um dia mais do que especial, porque uma categoria que faz parte do
cotidiano de nossa cidade e nem sempre é respeitada, valorizada e vista como
detentora de direitos deu um passo importante para resgatar a sua dignidade,
mudar sua imagem pública e transformar a opressão diária em instrumento de
transformação de si própria e da sociedade como um todo.
A fundação do sindicato das
trabalhadoras e dos trabalhadores do comércio informal de Recife-PE vem trazer
um novo conceito para um tipo de
representação sindicalizada que infelizmente anda muito em baixa no nosso País,
ora porque estão engessados pela excessiva burocratização da sua atuação, ora
porque estão cooptados pelos poderes que não cansam de oferecer favores em
troca do silêncio, da omissão ou mesmo da subordinação irrestrita aos seus
caprichos e cartilhas.
O sindicato em questão não poderá
cometer os mesmos erros da maioria dos nossos sindicatos, porque ele é fruto do
acúmulo de forças e experiências desde o início de 2011, quando pela primeira
vez os comerciantes informais foram desafiados pela truculência vinda de cima
que não mediram esforços para colocar pessoas na condição de coisas, uma
atividade laboral digna no status de algo fora da lei e criminosa e um assunto
que exigiria respeito e diálogo sendo resolvido à base de bala, gás
lacrimogênio e cacetete.
O mais engraçado nessa história foi perceber
quem estava contribuindo para essa injustiça: uma prefeitura municipal cujo
slogan é “a cidade cresce cuidando das pessoas” e uma universidade federal que diz ser
“referenciada socialmente”. Foi a tentativa de retirada dos barraqueiros de
parte do Hospital das Clínicas da UFPE
que pela primeira vez fez despertar uma
verdadeira consciência de classe nesses trabalhadores e trabalhadoras.
Foi desse episódio que saiu a primeira
semente para a organização de uma associação dos barraqueiros da UFPE, que
posteriormente avançou como Coletivo de Luta Comunitária (CLC) e por fim chegou
ao sindicato do qual trato nesse texto. Por isso falo da diferenciação desse
sindicato em relação aos demais, porque
ao longo de sua pré-formação foi
alargando suas bandeiras, colocando para dentro outros grupos também em
condição desprivilegiada, como os moradores de comunidades ameaçadas de despejo
de áreas que conquistaram e começaram a forjar uma luta para conquista dos
direitos humanos básicos: o de morar e o de trabalhar.
Sou um daqueles que pude testemunhar
toda essa luta, porque a vi nascer e
tentei dar uma pequena colaboração desde o seu início. Não tenho só imagens
memoráveis na minha memória, mas tenho imagens que produzi e uma singela
produção acadêmica que trata disso, cujo livro está aqui:
Tive o pique suficiente para estar no
primeiro grande protesto que percorreu todo o campus da UFPE e resultou no
fechamento da BR-101, nos protestos no centro da cidade (ou na frente do
Hospital Barão de Lucena) e na ocupação da Câmara Municipal (ou da própria
prefeitura de Recife). Sem contar nos
protestos de outros grupos no qual esse coletivo que fundou o sindicato também
se envolveu.
Digo
que o sindicato do comércio informal de Recife não poderá se apequenar como
tantos outros congêneres assim o fizeram porque ele não foi criado apenas para
dar resposta a uma situação imposta pela Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas
de 2016. Ele foi criado para acima de tudo dar dignidade a uma categoria que
tem sido massacrada ao longo de décadas, cuja luta não se encerra, jamais. A
reparação histórica e a conquista de novos direitos é a luta de uma vida, eis
aí o meu desejo de vida longa a essa entidade.
Num próximo texto trarei uma análise do
momento ímpar da sessão de fundação do sindicato.
P.S. Eis aqui algumas imagens do dia
memorável de ontem:
Nenhum comentário:
Postar um comentário